Tolerância imune periférica: Nobel de Medicina reconhece avanço que pode beneficiar milhões de pacientes
Vencedores levam o prêmio de 11 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 6,2 milhões). As láureas em Física, Química, Literatura e Paz serão entregues ao longo da semana; já a de Economia será divulgada na próxima segunda (13).
Três cientistas — os americanos Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell e o japonês Shimon Sakaguchi — levaram o Nobel de Medicina de 2025 por revelar como o sistema imunológico evita atacar o próprio corpo.
As descobertas sobre a chamada tolerância imune periférica explicam como o sistema distingue o próprio tecido de agentes invasores.
O que é a tolerância imune periférica?
De forma constante, o sistema imunológico protege o corpo de milhares de micróbios diferentes. Entretanto, muitos microorganismos desenvolveram semelhanças com as células humanas para se camuflar.
Por isso a tolerância imune periférica é importante: o mecanismo mantém sob controle as células de defesa que poderiam causar inflamações e doenças autoimunes — como lúpus, diabetes tipo 1 e esclerose múltipla.
As chamadas células T reguladoras (Treg) são as “guardiãs” desse processo: supervisionam a resposta contra invasores e garantem que linfócitos (células de defesa) não destruam tecidos e órgãos saudáveis.
A pesquisa premiada neste ano explica como controlamos nosso sistema imunológico para que ele possa combater “todos os micróbios imagináveis” sem desencadear doenças autoimunes, explicou Marie Wahren-Herlenius, professora do Instituto Karolinska.
🦠O que são doenças autoimunes: Doenças autoimunes acontecem quando o sistema imunológico, que deveria defender o corpo, passa a atacar células e tecidos saudáveis. Esse erro de identificação provoca inflamações crônicas e pode afetar órgãos como pele, articulações, intestino e sistema nervoso.
Cronologia das descobertas premiadas
🧬 1995 — Shimon Sakaguchi (Japão): demonstrou que a tolerância imunológica não dependia apenas da eliminação de células perigosas no timo (tolerância central). Identificou um novo tipo de célula, as T reguladoras, que impedem o corpo de atacar a si mesmo.
🧫 2001 — Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell (EUA): descobriram que uma mutação no gene FOXP3 estava por trás da síndrome autoimune IPEX e provaram que esse gene é essencial para o desenvolvimento das T reguladoras.
🔗 2003 — Sakaguchi confirma: o FOXP3 é o gene que controla as mesmas células que ele havia descrito anos antes.
Essas descobertas abriram um novo campo de pesquisa e impulsionaram o desenvolvimento de tratamentos para câncer, doenças autoimunes e até transplantes, alguns já em fase de testes clínicos.
“ Foram decisivas para compreendermos como o sistema imunológico funciona e por que nem todos desenvolvemos doenças autoimunes graves”, afirma Olle Kämpe, presidente do Comitê Nobel de Medicina.
As descobertas explicam como o corpo distingue o próprio tecido do invasor.
Deram origem a novas terapias que estimulam as T reguladoras para conter inflamações e tratar doenças autoimunes.
Também inspiraram pesquisas que inibem essas células em tumores, já que alguns cânceres se escondem delas para escapar do sistema imune.
Ensaios clínicos atuais testam o uso da interleucina-2 e de terapias celulares personalizadas para controlar rejeições em transplantes e inflamações graves.
O Comitê Nobel destacou que as descobertas “lançaram as bases para tratamentos que podem beneficiar milhões de pessoas”.
Coração da medicina
“A descoberta dessas células é o coração da imunologia moderna. Ela explica como o organismo consegue se defender sem se destruir”, explica Jorge Kalil, membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Medicina.
Segundo o cientista, o estudo dos três laureados solucionou um dos maiores mistérios da imunologia: como o corpo consegue equilibrar ataque e proteção. “Esses pesquisadores mostraram que o sistema imune não é apenas um exército que combate invasores, mas também possui um comando que o impede de atacar seus próprios tecidos”, diz.
Kalil acrescenta que as descobertas abriram caminho para novas abordagens terapêuticas, especialmente no tratamento de doenças autoimunes e na modulação da resposta imunológica em câncer e transplantes.
“Compreender e controlar essas células reguladoras é um dos maiores sonhos da imunologia atual”, afirma.
Perfil dos premiados
O trio vai dividir um prêmio de 11 milhões de coroas suecas (R$ 6,2 milhões). Conheça os cientistas:
Mary E. Brunkow (EUA, 1961) – Doutora pela Universidade de Princeton, atua no Institute for Systems Biology, em Seattle.
Fred Ramsdell (EUA, 1960) – Doutor pela Universidade da Califórnia (UCLA), é consultor científico da Sonoma Biotherapeutics, empresa que desenvolve terapias celulares.
Shimon Sakaguchi (Japão, 1951) – Professor emérito da Universidade de Osaka e pioneiro mundial no estudo da imunorregulação.
Curiosidades sobre o Nobel de Medicina
O ganhador mais jovem foi Frederick G. Banting, que recebeu o Nobel da área em 1923, com apenas 31 anos, por ter descoberto a insulina. Já o mais velho foi Peyton Rous, premiado em 1966, aos 87 anos, por sua descoberta de vírus que causam tumores.
Entre os 229 vencedores do Prêmio Nobel de Medicina, 13 são mulheres. Um destaque especial é Barbara McClintock, a única mulher a ganhar o prêmio sozinha, em 1983, pela descoberta dos “elementos genéticos móveis”.
Outras mulheres que marcaram a história do prêmio incluem Gerty Cori (1947), pelas descobertas sobre o glicogênio; Rita Levi-Montalcini (1986), pelos estudos sobre fatores de crescimento; Françoise Barré-Sinoussi (2008), pela descoberta do HIV.
Embora ninguém tenha recebido o Nobel de Medicina mais de uma vez, em outras categorias há pessoas que já foram premiadas duas vezes (entenda mais abaixo). Desde 1974, o prêmio NÃO pode ser entregue a pessoas falecidas, a menos que o óbito ocorra depois do anúncio oficial.
Um caso especial aconteceu em 2011, quando foi descoberto que o laureado Ralph Steinman havia falecido dias antes do anúncio, mas como o comitê não sabia de sua morte, ele manteve o prêmio.
Nobel 2025
A láurea em Medicina é sempre a primeira a ser anunciada. Os prêmios em Física, Química, Literatura e Paz serão entregues ao longo da semana; já a láurea em Economia será divulgada na próxima segunda (13). Veja o cronograma:
A láurea foi criada pelo químico e empresário Alfred Nobel. Inventor da dinamite em 1867, o sueco doou a maior parte de sua fortuna em testamento para a criação de prêmios de física, química, medicina, literatura e paz (o prêmio de economia foi criado anos mais tarde).
O documento dizia que os prêmios deveriam ser concedidos “àqueles que, durante o ano anterior, tenham conferido o maior benefício à humanidade”.