Lideranças indígenas participaram de painel junto com defensoras do Núcleo Especializado em Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais
BELÉM (PA) — A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) participa de uma série de agendas na segunda semana da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (COP30), em Belém, contribuindo com debates sobre justiça climática, proteção socioambiental e direitos dos povos da floresta. Entre as atividades, o Núcleo Especializado em Proteção dos Direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais (Nudcit) apresentou casos, dialogou com lideranças indígenas e avançou na construção do protocolo de atendimento da instituição, que poderá orientar Defensorias de todo o país.
A defensora pública Daniele Fernandes, coordenadora do núcleo, destacou a dimensão histórica desse encontro e o impacto direto das contribuições indígenas na construção do protocolo.
“O Nudcit está aqui na COP30, em Belém, no segundo dia de apresentação, para tratar do protocolo de atendimento aos povos indígenas e comunidades tradicionais, que está em fase de construção. Ontem apresentamos casos exitosos da Defensoria e hoje viemos tratar dessa construção coletiva”, afirmou a defensora pública.
“Tivemos representantes do povo Yanomami, que trouxeram seus anseios e sua voz para o documento, que servirá de orientação aos membros e servidores da instituição, garantindo atendimento adequado e respeitoso às especificidades dos povos originários”, completou Daniele Fernandes.
Para a defensora, trazer esse trabalho para a COP30 é demonstrar que não existe meio ambiente sem gente.
“Para defender a floresta em pé, é necessário defender quem é guardião dela”, destacou.
O Defensor Público Geral do Amazonas, Rafael Barbosa, ressaltou que a atuação na COP30 marca um momento de virada para a instituição. O protocolo em elaboração, construído a partir do diálogo direto com lideranças, poderá se tornar referência nacional.
“Além do Cinturão Verde, um projeto de justiça climática, a Defensoria também apresentou o trabalho do Nudcit, nosso Núcleo de Defesa dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. É fundamental estar em um ambiente que discute justiça climática, mudanças climáticas e justiça social, mostrando que a atuação da Defensoria vai muito além dos processos judiciais”, explicou o Defensor Público Geral.
“O que estamos construindo aqui é um protocolo de atendimento que pode ser exportado para todas as Defensorias do Brasil. Esse é o papel da Defensoria do Amazonas na defesa da população, pontuou Rafael Barbosa.
A participação da Defensoria do Amazonas na COP30 está mostrando que a instituição ocupa um novo papel no cenário socioambiental brasileiro.
“Mais do que órgão jurídico, tornou-se ponte entre comunidades e poder público, entre territórios isolados e espaços de decisão global”, reforçou Rafael Barbosa.
Diálogo
A defensora Luisa Lana, que também integra o Nudcit, reforçou a importância desse espaço de articulação internacional para fortalecer o diálogo entre instituições e povos da floresta.
“É importante demais para a Defensoria estar em um ambiente como esse, discutindo justiça climática e social. O diálogo e a troca de informações reforçam que nosso papel vai além da atuação judicial. O protocolo que estamos construindo aqui pode ser um marco para todas as Defensorias do país”, comentou Luísa Lana.
Lideranças indígenas
Entre as falas mais fortes dos dois dias de programação estiveram as dos próprios representantes indígenas, que fizeram questão de agradecer a presença da Defensoria, mas também de apontar desafios concretos que enfrentam, como racismo, violência, falta de políticas públicas básicas, distâncias extremas para acessar serviços do Estado e a necessidade urgente de mais investimentos.
O líder Yanomami Salomão Yanomami, diretor da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA), levou à COP30, no estande das Defensorias do Brasil, o relato do cotidiano de crianças e famílias afetadas pelo abandono do poder público.
“A Defensoria já ajudou muitas pessoas e muitas crianças no território Yanomami. O trabalho dela é fundamental porque abrange todo o território indígena do Amazonas. Pedimos que o governo invista mais recursos para que a Defensoria continue esse trabalho”, declara líder Yanomami.
“O racismo contra nossas crianças e adolescentes está muito presente. Elas precisam ser protegidas. Trouxemos essa reivindicação para a Defensoria aqui na COP. Agradeço muito à Defensoria Pública por iniciar esse protocolo. É uma esperança para nós”, afirmou Salomão Yanomami.
Do Vale do Javari, uma das regiões mais remotas e ameaçadas da Amazônia, veio o líder César Nakua Mayuruna, destacando a importância de a Defensoria conhecer a realidade local, não pelos mapas, mas pelos caminhos da própria floresta.
“Nosso território tem quase 9 milhões de hectares. Para chegar às aldeias, são 18, 20, 22 horas de viagem de voadeira, gastando milhares de litros de gasolina. É importante que a Defensoria esteja presente, ouvindo lideranças, pajés, parteiras, entendendo nossa interculturalidade e diversidade”, comentou.
Casos emblemáticos
Durante as apresentações, o Nudcit destacou experiências que ilustram os desafios e a dimensão da atuação da Defensoria Pública do Amazonas nos territórios indígenas e tradicionais. Um dos exemplos foi o mutirão indígena no Alto Marau, em Maués, onde indígenas percorreram longas distâncias de rabeta para garantir o direito ao voto de comunidades Sateré-Mawé. O caso, que começou com a demanda de Dona Nadir — uma liderança local que alertou para a exclusão eleitoral de comunidades inteiras —, revelou problemas estruturais como falta de documentação civil, barreiras linguísticas, ausência de transporte e dificuldade de acesso a serviços públicos básicos. A ação envolveu intérpretes indígenas, cálculo de combustível para chegar às aldeias e articulação com órgãos parceiros, ampliando o acesso à cidadania em um dos rios mais isolados do estado.
Outro caso apresentado foi o mutirão realizado em Lábrea, área marcada por conflitos agrários, vulnerabilidade digital e forte presença de organizações criminosas. As defensoras também detalharam a atuação em Maués durante a estiagem extrema de 2024, quando todos os 64 municípios do Estado decretaram emergência. Centenas de comunidades ribeirinhas e indígenas ficaram sem água potável e alimento. A DPE-AM realizou levantamento de dados in loco, via rádio e por meio de lideranças comunitárias, apoiando medidas emergenciais e garantindo o acesso a políticas públicas em meio à crise climática.
Outro destaque foi o trabalho realizado no Alto Rio Negro, região onde 80% da população é indígena e mais de 20 línguas são faladas. O projeto “Poranga Pesika”, idealizado pela defensora Isabela Sales, que ganhou o Prêmio Innovare, visa garantir o acesso dos povos indígenas à justiça por meio de intérpretes em suas línguas nativas. O projeto inclui atendimentos na língua materna e estruturação de práticas interculturais para qualificar o atendimento.
A Defensoria também apresentou o projeto bilíngue português–Tikuna, criado no Alto Solimões, que deu origem ao primeiro material institucional em língua indígena da DPE-AM, ferramenta fundamental para reduzir barreiras linguísticas e garantir direitos fundamentais. As representantes do Nudcit também apresentaram iniciativas ações desenvolvidas junto ao movimento indígena no Médio Purus, em parceria com outras organizações, voltadas à formação jurídica de lideranças e ao fortalecimento da defesa territorial.
