A Europa começará 2022 sem ter Angela Merkel como chanceler da Alemanha e líder protagonista da União Europeia (UE). Símbolo do comando no bloco continental por 16 anos, ela deu lugar em 2021 a seu vice-chanceler, Olaf Scholz, e concluiu uma era marcada por sucessivas crises que ameaçaram a existência e, ao mesmo tempo, atestaram a resiliência da comunidade.

Se a saída de Merkel é obviamente carregada de simbolismo, isso não significa, na prática, que Alemanha e União Europeia sofrerão mudanças drásticas com o fim da era da chanceler mais longeva pós-queda do Muro de Berlim.

Mas há muitas pontas para serem amarradas, a médio e longo prazo. No caso da União Europeia, um exemplo evidente é a arrastada saída do Reino Unido, que continua gerando conflitos e tensionando as relações entre os britânicos e seus ex-parceiros de bloco.

Também há incerteza sobre o cenário do continente caso Emmanuel Macron, grande parceiro de Merkel no comando da UE nos últimos cinco anos, seja derrotado nas eleições presidenciais francesas, marcadas para abril de 2022.

Eles também analisaram a ascensão de Scholz ao poder na Alemanha e o fragmentado cenário eleitoral na França, onde Macron, principal nome nas pesquisas, enfrentará concorrentes de diferentes perfis na busca pela reeleição.

Lá se vão quase seis anos desde que os britânicos decidiram, em um referendo de resultado apertado, que o Reino Unido deixaria a União Europeia. Era junho de 2016, auge da crise de refugiados, quando o clima anti-imigração tomou parte do país e de parte do mundo ocidental.

Mas a promessa de que o Brexit devolveria empregos para os britânicos ainda não se concretizou. Além de todo o impacto econômico causado pela pandemia, o Reino Unido ainda não conseguiu concluir as negociações duras e arrastadas com a União Europeia, principalmente em temas específicos e sensíveis.

Em 2021, o Reino Unido tentou renegociar o Protocolo da Irlanda do Norte, que permite uma fronteira terrestre sem restrições desse país com a República da Irlanda, membro da UE. A ausência de alfândegas é essencial para respeitar o acordo de paz, fechado em 1998, que cessou a violência e os movimentos separatistas norte-irlandeses.

Mas a eventual criação de uma fronteira marítima entre Irlanda do Norte e Grã-Bretanha, que seria a alternativa à fronteira terrestre, não agrada economicamente ao Reino Unido. Apesar da insatisfação britânica, a União Europeia se mostra irredutível sobre a validade do Protocolo, acertado no ano passado.

“Os britânicos escolheram o Brexit, mas não quiseram que o acordo de divórcio tivesse perda de privilégios”, analisa Ana Paula Tostes. “Questões como a fronteira da Irlanda do Norte e outros conflitos – como a entrada de imigrantes, por exemplo –, já eram problemas anunciados, porque não foram devidamente discutidos. Agora, existem essas tentativas de negociação.”

A professora vê esses conflitos como normais nesse momento ainda transitório. Com o tempo, diz, as negociações encontrarão um equilíbrio. “Ainda assim, há perdas irreparáveis para o Reino Unido, porque perdeu instituições e empresas que faziam parte da União Europeia e saíram do país”, ressalta.

Outros problemas internos que atrapalham os britânicos também estão ligados, de alguma forma, ao Brexit. Com a crise decorrente da pandemia, esses aspectos ficaram ainda mais graves neste ano.

A crise do Brexit soma-se a uma sequência de momentos difíceis que o bloco europeu enfrentou nos últimos 15 anos: a crise do euro, o endividamento da Grécia, a chegada em massa dos refugiados e, obviamente, a pandemia desde 2020.

Nos últimos meses de 2021, milhares de refugiados se reuniram nas fronteiras de Belarus para tentar acessar três países-membros da UE: Lituânia, Letônia e Polônia.

A comunidade, os Estados Unidos, Canadá e Reino Unido acusaram o líder Alexander Lukashenko de fabricar a crise e atrair os imigrantes com o intuito de pressionar a União Europeia a levantar sanções impostas contra empresas e autoridades de Belarus.

Segundo Ana Paula Tostes, a UE demonstrou algum poder de adaptação e se consolidou como comunidade, mesmo com todas as dificuldades.

Essa marca da União Europeia, principalmente com a sobrevivência durante as crises, também faz parte do legado da própria Angela Merkel no comando do bloco – e que ajudou a chanceler a se tornar mais popular em seu próprio país.

“Os alemães encontraram estabilidade em um caminho menos nacionalista e mais europeísta. A Merkel foi fundamental na consolidação desse projeto, trazendo a Alemanha para o centro da União Europeia e se firmando nessa liderança”, afirma a professora.

Com o novo chanceler, a aposta é de continuísmo, até pela presença de Olaf Scholz no governo de Merkel. “Ele não é um outsider. Conhece bem a União Europeia e participou das negociações envolvendo o bloco. E ele tem um discurso pró-Europa, buscando defender a soberania e os interesses comuns do continente”, acrescenta Laerte Apolinário.

 

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