O Encontro Nacional Cultura Viva 20 anos, realizado em Salvador (BA), resgatou a memória da principal política cultural de base comunitária do país, passando pela sua criação até os dias atuais. No painel intitulado Do do-in antropológico à política nacional e latino-americana, foram ouvidos, nesta quinta-feira (4), os relatos de gestores públicos, ponteiros de cultura e pesquisadores.

“Foi um dia importante porque resgatamos essa memória, que nos faz reviver tantas emoções e que traz à tona a poética da Cultura Viva”, afirmou a secretária de Cidadania e Diversidade Cultural, Márcia Rollemberg.

 

Entre os presentes, o historiador e escritor Célio Turino relembrou os conceitos e princípios que a inspiraram. “A Cultura Viva tem avançado com toda essa força no Brasil e em tantos outros países porque nada é mais forte que a vida e nada consegue deter os processos da vida. A gente conseguiu fazer uma harmonização das linguagens do coração, pelo afeto; da cabeça, pelo racional e intelectual; e a das mãos, que é o fazer”, explicou.

 

Destacou ainda a importância de se “tecer o fio da memória” para trazer novas reflexões. “A gente ainda tem que ter muita perspicácia para compreender que ainda não liberamos esse Brasil escondido e que a gente reprime, e que por isso mesmo ele deprime a potência. O Ponto de Cultura e a Cultura Viva é uma forma de tentar liberar as energias criativas do nosso povo”, alertou.

 

Referência no tema, Turino esteve à frente da Secretaria da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (MinC) entre 2004 e 2010, período em que foi criado o Programa Cultura Viva. Essa iniciativa nasceu na gestão do ex-ministro Gilberto Gil, com o propósito de cumprir o que ele definiu em seu discurso de posse como “do-in antropológico”: massagear “pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país”, como lembrou o reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Miguez.

 

Ele esteve presente na primeira reunião realizada no MinC, em 2003, quando surgiram os elementos que deram origem à Cultura Viva no ano seguinte. “Os Pontos de Cultura são a melhor expressão do que Gilberto Gil chamou de do-in antropológico. Digo com muita tranquilidade e até uma certa apreensão que caberá aos Pontos de Cultura ter um papel decisivo na defesa do nosso bem maior que é a democracia. Eles vão estar nessa linha de frente porque sem democracia não há Ponto de Cultura”, completou.

 

A Cultura Viva representou o início de um novo momento das políticas culturais em que o poder público passou a reconhecer, certificar e fomentar os grupos culturais que já atuavam nas mais diferentes dimensões de seus territórios, mas que, na sua maioria, estavam excluídos dos recursos públicos e privados.

 

Ao participar dos debates, Davy Alexandrinsky, representante da Comissão Nacional dos Pontos de Cultura (CNPdC), ressaltou também como grande avanço dessa política a gestão compartilhada com a sociedade civil, por meio da comissão, e a realização dos encontros nacionais (chamados de Teias).

 

Já o diretor da Política Nacional Cultura Viva do MinC, João Pontes, citou os recursos trazidos pela Lei Paulo Gustavo (LPG) e pela Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB) como marcos de um novo tempo dessa política. “É uma oportunidade histórica construída por nós na luta e que nos dão uma estrutura institucional e uma infraestrutura capaz de dar suporte e intensificação da luta popular, da luta social no Brasil a partir do Cultura Viva, a partir das várias experiências que a gente tem desenvolvido”.

 

Também participaram da mesa de memória Lia Calabre, pesquisadora, doutora em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-chefe do Setor de Estudos de Política Cultural da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB/MinC); e Zulu Araújo, mestre em Cultura e Sociedade e doutorando em Relações Internacionais pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de ex-presidente da Fundação Cultural Palmares. A mediação foi feita pela pesquisadora Luana Vilutis.